Passeando pelas redes sociais li dezenas de comentários sobre o caso Robinho. Parece haver um consenso de que Robinho além de culpado de cometer estupro, usou de argumentos insustentáveis para tentar se defender, notadamente querendo culpar “o feminismo” pela perda do seu contrato com o Santos. As pessoas na minha time line – majoritariamente povoada de capoeiristas e de feministas – abominam seus atos, suas palavras e a postura de quem se levantou em sua defesa. Nessa breve navegação no Facebook, me deparo com comentário de um Mestre de Capoeira lamentando o fato de que, no Brasil, se faz a defesa pública de estupradores. Ele está obviamente evocando a rede de apoio recebida pelo jogador estuprador por parte de outros jogadores de renome. Ele parece estar chocado, talvez indignado, por tal cumplicidade.
Me senti na obrigação de lembrar-lhe que a capoeira tem seus próprios estupradores de estimação. Entre as tantas narrativas de violências sexuais perpetuadas por homens providos de poder na capoeira, como o são as estrelas do futebol, ganhou visibilidade na internet o caso de um Mestre famoso denunciado por estupro de duas de suas vítimas.
Nós, mulheres capoeiristas feministas, já pedimos em carta aberta à comunidade que este e outros casos sejam discutidos. Observamos que as lideranças têm encoberto sistematicamente toda e qualquer denúncia (formal ou não) de estupro, abuso sexual ou outras dessas violências corriqueiras sofridas no ambiente dos grupos de capoeira. Foram elaboradas várias cartas de repúdio e mais recentemente um pedido de resposta à comunidade .
Até onde sei… quase nenhum mestre ou liderança da capoeira se pronunciou a respeito dessas demandas. Não vi registro nas redes sociais de nenhuma intervenção, de algum homem que ocupe um lugar de poder na capoeira no sentido de abominar as violências cometidas e se posicionar com algum grau de desaprovação para com o Mestre abusador.
A cultura da capoeira, como a cultura do futebol, alimenta e é alimentada por um machismo feito do culto à masculinidade, à força física, à valentia e outras qualidades viris. Será por um acaso que capoeira e futebol ocupam um lugar tão emblemático nas representações do “ser brasileiro”? No masculino, é claro.
São muitas as perguntas surgidas da análise do caso do Robinho. Capoeira e futebol são espaços onde homens são cúmplices das violências de seus pares. Ano passado, um mestre de capoeira “das antigas” foi preso por abuso de menor de idade. Em seguida, constituiu-se entre seus pares uma forte rede de apoio arrecadando fundos para ajudar o “coitado”. Esse episódio recente ecoa histórias de pedofilia e estupro de vulneráveis, até então banalizadas tanto na capoeira quanto no futebol, que o “caso Robinho” fez ressurgir das profundezas do esquecimento.
Mas existem também grandes diferenças entre esses dois símbolos da brasilidade. No futebol, os estupradores usam, como é de práxis, seu poder (fama, dinheiro, influência) para abusar de mulheres ou meninas. Esses jogadores são muito poderosos, obviamente bem mais do que qualquer mestre de capoeira. Mas esse poder extra é justamente o que tem feito um jogador como Robinho desmoronar. Há muito dinheiro envolvido e as mídias estão acompanhando cada uma das etapas dessa novela. Robinho perdeu o seu contrato e é agora abominado por todos pois quase levou o Clube a perder alguns milhões de patrocínio.
Nós, na capoeira, não lidamos com essas fortunas, além do que a fama e reconhecimento de nossos heróis geralmente não se estende fora das fronteiras do nosso mundo. É preciso lembrar que historicamente a capoeira é uma prática (para alguns um esporte) popular. O mestre bem pode estuprar, matar, bater, abusar e não haverá consequências financeiras. Não haverá reação do “mundo de fora”(patrocinadores e jornalistas por exemplo). A capoeira continua se querendo um universo fechado, onde resolvemos “nossos problemas” internamente à maneira das brigas de casais onde ninguém deveria meter a colher.
Pois bem, está na hora de pensar quais articulações externas podemos mobilizar para romper com essa blindagem da violência sexual e sexista da capoeira. Começar a pensar… Não só o recurso às instituições (justiça, polícia) como também medidas que possam pesar para quem pratica ou apoia tais violências, como por exemplo, proibição de receber dinheiro público ou de exercer qualquer função relacionada à educação e cidadania.
“Homens, vamos repensar as nossas condutas, nossos comportamentos, porque se a gente não se policiar, todo dia a gente é mais um macho escroto” (Rafael Luiz Maschio – Outra Roda é Possível VI).
Maria da Guanabara é capoeirista, feminista e pesquisadora da capoeria.
Não vamos esquecer!
Excelente texto e reflexão, necessário compreender essa naturalização das lideranças ccomo donos de nossos corpos de forma totalmente impune.
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Que maravilha de texto , parabéns, precisamos divulga -lo , peço licença pra compartilhar
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Prezadas Senhoras
Estou Presidente da FCBA – Federaçao de. Capoeira do Estado da Bahia. Aqui internamente com nossos profissionais, publicamos nosso repúdio e nao aprovamos
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