O lançamento do documentário Mulheres da Pá Virada, pioneiro em tratar de questões de gênero no universo da capoeira através da linguagem audiovisual, é, sem dúvida, um marco histórico da afirmação e da luta das mulheres na pequena e na grande roda.
Em 20 de julho de 2019, a estreia em si, com todos os seus elementos, previstos e imprevistos, colocou em cena o que o filme buscou revelar. Como se a realidade copiasse a arte, os acontecimentos deste dia deixaram explícitas nossas conquistas enquanto capoeiristas e também os nossos desafios: desde a belíssima e emocionante orquestra de berimbaus composta por 19 mulheres, na abertura, até o incidente final com aquele que tenta roubar a cena e sobrepor/infligir a sua verdade.
Mulheres tocando berimbau, ocupando espaços de poder.
Composição de vozes, diálogo de rituais, na quadra e na ladainha.
Respeito.
Mulheres em sua diversidade, surgindo de diferentes lugares da plateia e da vida para convergir e somar naquele belo momento.
Capoeira, capoeiras, no feminino e no plural, regional e angola, tradição e reinvenção. Livres.
Também se materializaram na estreia a ausência, a precariedade, os obstáculos que caracterizam parte da trajetória das mulheres na capoeira. Descobrir a falta de toda infraestrutura técnica para exibição do filme na última hora nos deixou perplexas…como questiona Contramestra Brisa em uma das cenas chaves do filme: Será que isso aconteceria se fossem homens? Achamos que não…
Contudo nada abalou nossa força; somos autoras e protagonistas desta história. As imagens e discursos do documentário foram recebidos por uma plateia lotada, cheia de vontade e curiosidade de descobrir o que estava por vir.
Durante o debate, as perguntas e intervenções do público reencenaram as temáticas desenvolvidas no filme: protagonismo, resistência à opressão e à violência e união das mulheres. A proposta do nosso roteiro ganhou ainda mais realismo e relevância. As reações suscitadas pelas “Mulheres da Pá Virada” nos mostraram que as experiências partilhadas no filme eram significativas para quem assistiu e quis se manifestar. Assim, afirmamos em ato nossa representatividade, uma questão que nos foi colocada desde a divulgação do projeto. Nossa representatividade, não sob a forma da escolha de mulheres que já tem grade destaque na capoeira, mas sim no diálogo e no convite a identificações entre mulheres plurais. As nossas histórias ecoavam as dores e delícias das manas que acabavam de assistir ao documentário, como também despertaram ímpetos de censura e dominação.
É a capoeirista que se levanta para contar sobre um joelho fraturado na covardia do adversário de jogo na roda; outra nos relata sua história na capoeira com a emoção de quem encontra finalmente ouvidos, atentos e respeitosos; e essa outra que quer saber como conjugar maternidade e envolvimento na capoeira. Também tem quem pondera, ressalta as mudanças e as conquistas já alcançadas. Todas são vozes que falam de nós, com nossas diferenças de trajetórias e posições nesse mundão da capoeira. Por fim, houve até quem pretendeu usurpar o espaço delas com uma intervenção que surpreendeu com sua violência ideológica. Chamando para si os holofotes (na verdade um velho projetor meio apagado), na tentativa de reestabelecer o poder da voz e autoridade masculinas, como se esse fosse naturalmente seu lugar e seu direito, sua palavra de homem, pensa ele, tem mais peso.
Viramos o jogo. Somos corpos encapoeirados, como diz, lindamente, nossa companheira Nildes, SOMOS DA PÁ VIRADA! Nas nossas rodas e debates a última palavra será sempre nossa, ninguém pode pressupor saber mais sobre nossas dores e conquistas do que nós mesmas.
Após a estreia, realizamos mais quatro exibições, em academias de capoeira e centros educacionais, com debates calorosos, aplausos e críticas que revelam que o nosso filme representa mais um passo no enfrentamento à violência contra as mulheres e às tentativas de silenciamento das nossas vozes, na reinvenção da tradição e na escrita de um novo capítulo na história da capoeira.
Sigamos em luta porque “algo que foi criado para resistir, não pode ser usado como instrumento para violentar”.
Iê, viva as mulheres da capoeira! Iê, viva as mulheres, camará!
Foto de Julia Kan
Parabens pelo projeto de grande importancia p a capoeira e a sociedade como um todo.
Como eu posso ter acesso a esse documentario? Sou mestre de capoeira e gostaria de divulgar esse material p os meus alunos. Axe!!
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Oi Rodrigo, que bom saber do seu interesse. Aonde você está? Veja, o filme vai ter acesso liberado na internet a partir de fevereiro. A dica é vocês organizarem exibição com debate em seus grupos de capoeira e se puder, dar um retorno para a gente sobre as discussões. Axé!
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