“E quando um convidado do seu evento leva uma aluna de 16 anos pro motel?”.

   Homens, pasmem! A capoeira não é um ambiente seguro! Homens ficam pasmos ao se dar conta como o sexismo atua, como envolve, como cala, como dá um tiro no pé de quem o pratica! É muito mais que constrangimento o que rola quando os questionamentos-bomba explodem e reverberam pelas falsas águas calmas desse mar bravio.

   Este é um post da página de Facebook  de Omri Ferradura Breda em 13 de maio de 2018, que aponta em direção a reflexões fundamentais acerca de um movimento feminista forte que agita as muitas vertentes da capoeiragem, e, apesar de parecer uma assunto bem atual , está e esteve atrelado a todas as lutas de todas as mulheres em todas as áreas em busca de garantias de direitos sempre desrespeitados e violentamente retirados e silenciados.

    Iê… é hora é hora de pensarmos e agirmos estrategicamente enquanto corpo de mulheres. Muitas conquistas de espaço e de segurança na roda de capoeira virão do revelar e do esmiuçar de tudo que viemos suportando até aqui, enquanto mulheres capoeiristas. Confusão de papéis, discriminação, solidão, silenciamento e um enganoso entendimento ‘glamoroso’ de corpos em ação nas rodas de capoeira tornaram o entendimento e possibilidade de discussão dessas questões escondidos atrás de tradições mal interpretadas, quase-dogmas vigorando em nome da manipulação de um status quo vantajoso para seus mantenedores sexistas, contudo, ignorantes e inconscientes de sua prática, em sua maioria.  Mas é chegado o tempo, já diria aquela boa letra, de ‘quando o engano se enganou’.

    As múltiplas questões que podem ser abordadas a partir do relato do  Ferradura ao adentrar a seara do limite entre consenso de pessoas que se atraem X a má fé \o assédio\o abuso no ambiente da capoeira, revelam grande intimidade de mulheres com o tema- situação e a ‘surpresa curiosa’ de homens capoeiristas que, abdicando do momento supremo da capoeira- a roda, demonstraram empatia. Destacaram, agindo assim, a grande necessidade de debates e (escutas e) denúncias sobre atitudes sexistas e abusos na roda e no dia a dia de mulheres e homens que estão envolvidas\os com capoeira. Somos corpo coletivo com a necessidade do estabelecimento e reconhecimento de códigos de condutas que possam orientar, conduzir nossas relações na capoeira. Na roda e no dia a dia.

    O grupo de estudos e coletivo de intervenção feminista na capoeira Marias Felipas parabeniza o mestre Ferradura por esse importante relato. Observamos muita riqueza nos comentários sobre post e esperamos muitas ações oriundas (também) de mulheres nesse sentido, no sentido da contribuição para entendermos e transformarmos nossa trajetória de profunda resistência dentro da cultura da resistência poderosa da capoeira e suas criativas e humanas soluções como respostas a terríveis e, igualmente humanos, comportamentos individualistas, opressores e violentos.  

Luísa Pimenta – é capoeirista, feminista e educadora.

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Post de Omir Ferradura Breda no Facebook: 

https://www.facebook.com/omriferra/posts/2131959980166407

“E quando um convidado do seu evento leva uma aluna de 16 anos pro motel?”.

Eram 19h. As pessoas estavam estudando desde as 9h.

Todas estavam loucas para começar a roda de Capoeira. Afinal, havia gente da Turquia, da Grécia, da Finlândia, da Sérvia, da Alemanha etc., e elas não têm a chance de jogar Capoeira com pessoas diferentes todos os dias.

Na última rodada de perguntas antes da roda, um capoeirista local manda esta bomba. Logo iniciou-se um grande debate, com todos tendo opiniões diversas sobre o fato de um convidado brasileiro ter levado ao motel uma menor de idade, aluna do anfitrião.

O clima pesou. As pessoas, ao mesmo tempo, se impacientavam por ver que a cada fala, a roda ficava para mais tarde, mas ao mesmo tempo queriam falar e escutar. Todas haviam passado por situações mais ou menos parecidas. Da questão “Mestre de Capoeira convidado de evento transar com aluna menor de idade é uma conduta ética?” se passou a outras sobre assédios sexuais frequentes, jogos de poder, desempoderamento, ridicularizações, e principalmente, silenciamentos.

Coube a mim colocar o dilema na mesa: “Galera, temos que tomar uma decisão coletiva aqui. Eu preferiria ficar aqui conversando do que fazer a roda, mas talvez eu diga isto porque tenho a possibilidade de jogar Capoeira todos os dias no Brasil. Não posso decidir isso sozinho. Ou fazemos a roda agora e abandonamos o assunto ou conversamos sobre o assunto e abandonamos a roda. Gostaria de ouvir o que as mulheres presentes pensam sobre isso. Roda ou conversa?”

Para minha surpresa, várias mulheres disseram: “Roda!”.

Foi nesta hora que uma das professoras presentes levantou o verdadeiro problema: “Não somos nós, mulheres, que temos que decidir. São os homens. Nós estamos de saco cheio de conversar sobre isso entre nós ou de ficar falando com homens que não estão escutando. Homens que, ainda que presentes de corpo, só estão pensando na roda de Capoeira que estão perdendo. São os homens que têm que decidir se estão abertos a perder uma roda para conversar conosco”.

Para minha maior surpresa, os homens foram unânimes em preferir abandonar a roda pela qual tanta esperavam.

O que se viu em seguida foi uma experiência transformadora que eu nunca havia visto na Capoeira. Foi diferente, simplesmente por não ter sido programada. Não era pauta, nem houve organização prévia. Foi um assunto que surgiu espontaneamente e foi coletivamente acolhido, pela sua necessidade e urgência.

Depoimentos, proposições, escuta genuína, choros, risos e um compromisso final entre todos, resumido em 2 pontos:

1. A Capoeira deve ser um ambiente seguro para todos, especialmente para as mulheres. É responsabilidade de todos, e não somente dos mestres, de fazer valer códigos de conduta que confirmem esta segurança.

2. É importante que os mestres deixem claro que há um canal de comunicação que acolherá qualquer tipo de denúncia, especialmente contra pessoas de hierarquia superior e que as pessoas que comunicarem uma violência jamais serão julgadas ou suas denúncias abafadas.

Agradeço pela rica experiência. Fui para ensinar e facilitar o Curso de Capoeira-Educação, mas aprendi muito mais do que ensinei.

Gratidão especial às mulheres que deram uma aula de comunicação, empatia e conexão: Pé de VentoMelsabel HernandezZsófi Eszter RáczIsabell Erdmann, Andréa Dias e todas as outras que não tenho no facebook.

Gratidão! Axé!

2 comentários em ““E quando um convidado do seu evento leva uma aluna de 16 anos pro motel?”.

  1. Fantástica reflexão, importante o posicionamento do Mestre Ferradura e das pessoas que conseguiram perceber a demanda desta reflexão. Acho igualmente importante a assumência da responsabilidade coletiva pela segurança e respeito às mulheres e que os demais grupos consigam abrir caminhos tão importantes quanto a escuta e o superar o silenciamento de nossas denúncias.

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